Os preparativos para o final de semana foram conduzidos nos mínimos detalhes. Todos participaram ativamente e com bastante entusiasmo, embora:
Aninha estivesse em tratamento quimioterápico;
Jorginho, cheio de dívidas;
Amelinha sem nenhuma ideia de como arranjar dinheiro para pagar a faculdade mil quilometros distante de casa;
Genoveva, desempregada a um ano, para não ficar fora daquela que poderia ser a sua oportunidade de dar uma folga à gastrite, não teve outra saída senão pedir novamente dinheiro para o pai;
Carlos e Selma que vinham a tempos trocando olhares e frases cifradas, vigiados de perto pelo Aluisio (que, todo mundo sabia, puxava um bonde por ela e era muito esquentado), não deixaram por menos e marcaram presença, mesmo correndo o risco de serem pivôs de algum barraco;
Macedo que só pensava em política, iria fazer seu proselitismo de praxe longe do Sergão que fazia de tudo para desacreditar as eloquentes preleções do vizinho;
Zizinho, munido de um terço e um patuá devidamente acomodados na carteira, aproveitou uma horinha, na sexta, para cumprir duas promessas, uma para São Judas Tadeu e outra para Nossa Senhora do Remédios – não se sabe bem a graça, ou as graças, que ele tenha alcançado;
Casimiro que só dormia com a luz acesa, concordou em dormir na varanda para não incomodar ninguém no apartamento do avô da Micaela que, desde o dia primeiro, encontrava-se em Peruíbe à espera dos amigos e conhecidos;
Ciço que tomava todas e mais algumas, abasteceu-se como pode, tudo muito bem mocosado para não atrair para si a ira da Felícia que estava contando os dias para chutá-lo de uma vez por todas da sua evangélica vidinha;
Adalberto era meio paranóico, relutou no ínicio mas, acabou por concordar em maneirar um pouco a sua monumental imaginação;
Carmela era feia de dar dó mas, naquele vestidinho estampado com margaridas e chapinha no cabelo tinha tudo para fazer esquecer aquela inferioridade aos olhos de Gustavo, viciado em televisão e que gastava uma nota preta com tratamento de pele na esperança de acabar de vez com a acne que lhe roía as faces;
Santos, com aquela vozinha de alvinho, era metido a machão, vendedor de consórcios, seguros e planos de previdência e odiava futebol;
Toinho, policial, nunca andava desarmado, nem quando ia ao banheiro, venerava o Palmeiras;
E, por fim, Marisa não fez nenhuma objeção à presença da ciumenta Rosália, segunda mulher do Augusto (seu atual) e seus dois meninos endiabrados.
Vamos, digam: vocês imaginaram farofaria, fanfarronices discussões, palavrões, brigas, baixarias... quem sabe uma tragédia? Pois é, sinto decepcioná-los. Tudo transcorreu na mais perfeita harmonia. Não houve um ato sequer de egoísmo, de ignorância, de grosseria, de malquerença, de dissabor... Incrível o nível de suavidade, gentileza, carinho e cuidado com que cada um tratou o outro. Janeiro tem destas coisas: a gente quer sempre começar com o pé direito.
Talvez mesmo pelos resquícios dos votos de feliz ano novo, janeiro seja, assim, cheio dessa boa vontade, como você bem retratou, apesar de todas as diferenças individuais.
ResponderExcluirE se vivêssemos como se todo dia fosse dia de votos de feliz ano novo... mas nos deixamos cair na mesmice da rotina, perdemos nossa suavidade e não celebramos o dom da vida.
ResponderExcluirQue texto mais irônico, Paulo. Genialmente irônico, pois retrata a vida; vida essencialmente humana, com todos os sonhos e as esperanças, que nem sempre são as coisas mais altruístas, porque, muitas vezes, são sufocadas pelo desejo pessoal. O enredo da vida já grande fanfarronice...
ResponderExcluir...
Paulo, fiquei angustiado com o teu comentário sobre as "forças obscuras mostram suas garras", referente à Carta do Vargas. Você acredita que há alguma manipulação sendo imposta ao nosso querido povo desta República?
Um abraço.
Sim, pois é. De alguma forma, você está certo, Paulo. Uma coisa me intrigou muito estes dias, a demissão do Estadão da jornalista Maria Rita Kehl por ter escrito algo que o jornal julgou elogioso ao Governo Lula. Mas, na realidade, o artigo dela só apresentava a realidade, sem julgamento de mérito. Olha o texto:
ResponderExcluirhttp://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101002/not_imp618576,0.php
Ainda acredito que as instituições deste país estão fortes e, na medida do possível, justas, mas parece que alguns nichos querem a vantagem pessoal por toda a eternidade... Que República!
Estou aqui como sempre pra visitar, mas aproveito e agradeço sua visita e responder sua pergunta sobre o Eldenê.
ResponderExcluirPaulo, aos 8 anos eu fui bulida por um rapaz, você entende? não quero dizer o termo grosseiro...Preservei-me de qualquer sentimento de sensualidade ou sexo, eu agia como se a unica função da parte íntima era fazer xixi. De repente ali sentada sem nenhum sonho, apenas olhando as formigas carregarem pedacinhos de folhas, admirando suas forças e ao mesmo tempo tão frágeis perante os seres maiores, eu escuto que vou ser esposa, mulher, deitar, casar, ser bulida, beijada, passou-se um turbilhão de pensamentos que nem pensei se ia pisar nas pobres formigas e dirigi-me até lá de onde vinha voz, mas ia quase voando, pois não sentia meus pés, minha vontade era de bater tanto nele, mas ao olhar aquele moço franzino, pequeno, faltando um olho, muito embora eu reparei primeiro pra sua boca depois o detalhe do olho, ou sei lá o que realmente me fez parar e reagir com indiferença que já era minha marca. A petulância veio do achar atrevimento demais já me ver e pensar em tocar-me, entendeu? Em minha cabeça não era elogio, mas ao vê-lo de perto e olhar pro seu olhar e ouvir sua história, contou que dias antes de viajar sonhou a mesma cena que acabara de ver, e deu detalhes do meu vestido que não era visível pra quem estivesse onde ele se encontrava. Eu vestia um vestido amarelo com listas finas brancas e abaixo do peito tinham 4 fitas azuis horizontais...
Escreverei sim um conto, pois toda minha vida é parte de contos, onde nunca precisarei usar a fantasia ou acrescentar emoção.
Mandarei por e-mail pra você assim que terminar, pra isto preciso ter teu endereço. envie-me algo.
Um, abraço gracioso e um cafuné.
A amiga Miris