sábado, 17 de julho de 2010

O Trabalho e os Dias

Éramos fortes, poderosos e belos mas, o duro ferro destruiu nossa morada e desenhou opaca a menina dos nossos olhos.

Recolhidos à ilha dos nossos corpos, vimo-nos diante das lembranças dos nossos altivos antepassados.

Afrouxados por instantes os nervos tensos, reverentes ouvimos saudosos suas histórias acordarem nossos debilitados propósitos.

A barbaria havia vencido mas não havia derrotado os eventos, as sagas, as lendas e as canções que fizeram a glória do nosso passado.

A vingança tecemos em versos. O ímpeto grosseiro dos nossos algozes cedera à excelência das nossas vozes.

Liras, alaúdes e guitarras choram agora nossas mágoas, cultivamos na dança a cadência graciosa dos nossos corações cheios de dores.

Incerta e obscura é a linha do futuro. Nossos olhos não enxergam distante, ó limite tão humano!

Perigos e ameaças persistem mais adiante sim, tais quais os manifestos que sofremos.

Por isso decidimos que não há porque temer os fantasmas da nossa ensandecida ignorância.

Tememos o aço que nos expõe as entranhas, tememos a rudeza que infama o brio.

Tememos ficar entregues à paixão e ao arbítrio, sermos governados pelo irracional capricho.

Tememos a cegueira da omissão e do esquecimento nós, os devotos intransitivos da musa imparcial.

Filhos, cantem o esforço dos vossos pais. Pais, afastem os tormentos dos vossos mortos e exaltem, humanizem a vida com trabalho e justiça.

Libertos das fadigas, misérias e angústias, inauguremos, irmãos, essa pátria indispensável e contemplemos radiantes a posteridade renascida.


2 comentários:

  1. Sabe, Paulo. Nestes dias de tanta violência e impulsos (des)humanos, lembro de um conto do Machado, "Suje-se gordo!". É tão atual. Julgamos o outro, mas nem paramos para pensar se somos capazes de cometer a mesma atitude ou outra semelhante, em menos ou maior grau. Ao mesmo tempo, se a condenação ou absolvição é indispensável e termos de nos 'sujar', como diria Lopes, "não nos sujemos por tão pouco. Suje-se gordo!, Suje-se gordo!".

    Desculpe, caro Paulo, é que teus textos sempre me fazem refletir e acabo desviando para outros caminhos... Falta-me a concisão de alma.

    Um abraço.

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  2. Com você a nos guiar, não temo nada...venceremos, ainda que percamos.E "contemplaremos radiantes a posteridade renascida". Juntos.

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