Haviam combinado se encontrarem num começo da terceira semana do mês de junho de um certo ano num certo restaurante que mantinha mesas na calçada diante de uma certa praça onde reinava, solene e agregadora, uma certa fonte na qual havia um certo garoto bronzeo e travesso a urinar alegre e perenemente sob o olhar pudico de uma certa ninfa de cabelos longos e seios fartos.
Em seu entorno, era animado o movimento de pessoas que acorriam àquela certa cidade naquela estação para simplesmente curtirem o clima paradoxalmente ameno em pleno inverno e peregrinarem por suas poucas ruas de pedras apreciando o colorido das casas e as taças de vinho oferecidas nas janelas por rainhas e princesas, desta e de outras safras, vestidas a caráter e ornadas de exuberantes grinaldas de múltiplas flores como que já a saudarem a primavera aguardada para dali a alguns meses.
Era um repentino e singular despertar do longo sono hibernal da estação, dois ou três dias apenas, dando a impressão de que a natureza antecipava o futuro de modo a se pudesse experimentar as delícias provindouras.
Ele estaria de calças e camiseta pretas, tênis branco, diante de uma taça de vinho tinto. No lado oposto, um livro aberto numa determinada página onde se leria, debaixo de uma margarida, o seguinte verso do poema Meu Amor da Florbela Espanca
“De ti somente um nome sei, amor.
É pouco, é muito pouco e é bastante
Para que esta paixão doida e constante
Dia após dia cresça com vigor”.
Ela viria num vestido branco com pequenas margaridas estampadas e um cravo vermelho na mão esquerda enquando a direita protegeria o chapéu das investidas brincalhonas da brisa que esvoaçava uma quaresmeira a proteger quem esperaria.
Chegaria... Ele se levantaria, seguraria levemente seus braços e beijaria sua face esquerda com os lábios úmidos e rubros e daria a volta para posicionar a cadeira de encontro ao seu corpo pequeno e esguio. Ela colocaria o cravo ao lado esquerdo da taça e tiraria o chapéu depositando-o ao lado direito do livro que não leria não antes de beijar as alvas pétalas da silente e dócil flor.
Repousaria os olhos então sobre as linhas do poema e ele veria suas pupilas percorrerem cada palavra e aguardaria que seus olhos se levantassem com um sorriso tímido de encontro aos seus ardentes e ergueria a taça e sorveria um gole como se bebesse dalgum filtro mágico que lhe investiria do poder de paralisar o tempo e transmutar o espaço.
Não trocariam palavras, não haveria porque ou do que falarem, tudo já houvera sido dito em todos estes anos, longe um do outro, mediados por circuitos integrados e fibras óticas.
Os olhos dele acariciariam cada parte do corpo dela e os olhos dela devolveriam improvisados arpejos e acordes de uma sinfonia de gestos invisíveis que em certos instantes culminariam em árias inauditas e inaudíveis povoadas de arrepios e suspiros.
Passaria a tarde tão apressada e na languidez das nuvens tingidas de escarlate e roséas os seus cúmulos de fogo a saudarem a noite com seu séquito enluarado de estrelas, os dois se levantariam e de mãos dadas dirigir-se-iam à esquina mais próxima e desapareceriam em gozo.
Não haveria cameras, não haveria claquete, não haveria flash's, não haveria comentários na mídia, nenhuma nota seria publicada no dia seguinte em nenhuma pagina de nenhum jornal, nenhuma coluna social os incensaria, nenhuma televisão os convidaria para um talk show, nenhum pintor imortalizaria em marmore aquele momento, nenhum poeta lembraria de dedicar uma estrofe ou verso que fosse, nenhum brinde se ergueria em nenhuma confraria, nenhuma vizinha fofocaria, nenhum transeunte siquer notaria...
Contudo, para eles, aquela seria a grande, a antológica cena do cinema de autores que haveria de ser as suas vidas.
Amigo, um dos melhores encontros que tive foi encontrar você aqui nesse "infinito" da Web. Um grande abraço e feliz páscoa para você e os seus.
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirAchei esta sua página no blogue do querido amigo Zatonio; e qual não foi a minha surpresa quando li seus textos. Dos poemas não digo, é que desgraçadamente a minha alma pessimista não aprecia os ritmos - mas, assim mesmo, ecoaram bem no silêncio que me encontro...
Da prosa, no entanto, é sublime! Este conto, em especial, é vivo, refinado, rico em vocabulário; enfim, fiquei alegremente impressionado com ele. Linha após linha foi prendendo minha atenção que, em leitura de tanto deleite, foi inevitável soltar um sorriso de satisfação: "Putz, a literatura não morreu; que conto maravilhoso!" - foi isto que pude pensar ao terminar a leitura deste seu post.
Só posso agradecer e cumprimentá-lo pela satisfação proporcionado a um leitor; sim, ganhou mais um leitor, caro amigo, estarei sempre por aqui a importuná-lo; rá, rá, rá.
Grande abraço.