quinta-feira, 25 de março de 2010

Mais uma, Paulo Renault!

Quase a pedidos, devo publicar mais um poema do Paulo Renault. A postagem anterior atraiu curiosidade sobre a sua obra. Sei que o pessoal da Catavento não vai pegar no meu pé se alimentar um pouco mais a divulgação deste poeta, um dos poucos poetas que conheci de verdade. Convivi bastante com ele e sei que, onde quer que sua memória esteja, um pouco da sua lembrança ficou comigo. Portanto, para aqueles que desejarem conhecer seu único livro deixo aqui a maneira prática de conseguir um exemplar. Entrem em contato com a Editora Catavento, lá em Maceió, através do pombo eletrônico edicoescatavento@uol.com.br
Enquanto isto degustem esta preciosidade, um das suas últimas criações e, um dos que mais gosto:

QUERO DIZER HOJE TUDO ISTO QUE ESTÁ AÍ

Quero dizer que hoje,
As flores possuem inimigos,
Diferentes dos de antes: tímidos e distantes,
E adversos aos do futuro,
Pois a cotovia e o rouxinol de William,
Não abençoam mais os amores eternos e insofismáveis,
Porque eles já não mais existem,
E as graúnas que restaram contam-se nos dedos,
Porque Peri e Ceci não se contam nem deles.

Quero dizer que hoje
Os preás cotias teiús e rolinhas,
Não chegam mais nem para os caetés de Palmeira dos Índios,
Porque de ambos não sobrou quase nada,
E a guariba batida na pedra
É mais saborosa que a sardinha coqueiro,
Mas não cabe na lata,
E o corvo não mais agoura a personagem à meia noite,
(Ao pé de muita lauda antiga)
Porque Edgar morreu,
E os pombos do Teatro Deodoro
Cagam na cabeça das pessoas que se recostam nos portais
Como se fosse a última coisa fizessem,
Já que irão desaparecer.

Quero dizer que hoje,
Se a Branca de Neve fosse esconder-se na mata de São Miguel
A Rainha má, sem dúvida, sairia vencedora,
Pois, sem florestas, sem anõezinhos libidinosos
E um princípe otário,
Nunca aconteceria um bom conto de fadas,
E Brigitte Bardot só lembrou-se das focas e leões marinhos
Quando os peitos lhe caíram na barriga.
É por isso que os ratos não querem mais morar
Em Tel Aviv e Beirute,
A Pajuçara e a Ponta Verde são bem mais agradáveis,
E boa parte das pessoas adoram carne de gato.

Quero dizer que hoje,
Marte é um planeta muito feliz:
Desértico, imoral, nú,
Pois, absolutamente, ninguém pode viver
Arrodeado de palmeiras, coqueiros, mulungus,
Mesclas, catingueiras rasteiras, cedros, mognos,
Corações-de-negro, azeviches, jacarandás,
Capas-rosas, jatobás, babaçueiros, brincos-de-viúva, oitizeiros,
A impedirem a nossa caminhada para o ermo.
Para que tantas matas?
Folhas, paus, raízes, cascas, galhos?
A esconderem lacraus, escorpiões, cobras venenosas
De nomes tão furtivos e falsos,
Rainha, coral, papa-ovo, cipó-de-boi, d'água, verde
Langanhentas, peçonhentas
Caranguejeiras, tarântulas, viúvas-negras,
Coleópteros bisonhos, besouros, cavalos-do-cão, embola-bosta
Répteis calafrientos,
Sapos, jias, rãs, cururus-pei-pei, jacarés, crocodilhos.
Rios? O de Pessoa está cheiro de bosta,
O Paraíba do Sul é uma latrina,
E no Salgadinho as lavandeiras do Reginaldo
Enchem de merda os bolsos das nossas calças.
O Danúbio Azul é um rio negro, pardacento e fedorento a mijo.
(Ovos de Curimã, tainha e arabaiana são excelentes para tiragosto,
Caviar tem cheiro de coisa podre)
É preciso ter quiba para aguentar o canto do ferreiro
E o olhar raivoso do gavião;
Para que quero apitos ao pé do ouvido?
Milhares de pássaros (ainda bem que a metade já se foi);
Caga-sebos, papa-capins, cabloclinhos,
Andorinhas, nambus, urubus, abutres, águias,
Patativas, curiós, sabiás, rolas, anuns,
Marrecos, galinha-d'água, socós, cegonhas
Flamingos, bico-de-lacre, joões-de-barro, jaçanãs,
Uirapurus, albatrozes, pinguins,
Gaivotas? Chega de gaivotas e pelicanos!
Ninguém pode negar que o som do quartzo às seis
É bem mais agradável que o barulhos dos pardais.
E o meu chaveiro repete melhor que o papagaio
E o “bota mais baby” do digital laser,
Entra mais macio que o arrulhar das hamburguesas.

Quero dizer que hoje,
Que os pássaros, as árvores, os rios, os canais,
Lagoas, oceanos, leões, elefantes,
Zebras, girafas, hienas, tigres, onças, macacos,
Linces, anuns, morcegos, lontras,
E capivaras e tudo mais que representa
Esta comandita de canalha:
Que me deixem em paz.
Quero dizer ainda hoje que:
Ou desapareçam
Ou procurem outro lugar para morar!
Porque este mundo
É pequeno demais para nós dois.


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