domingo, 21 de março de 2010

A Cidade Desejada

Desejo uma cidade que me abrigue menino, uma cidade que, habitada por meus sonhos, seja repleta de jornadas e onde haja uma princesa guerreira, tão bela quanto belas são suas histórias.

Desejo uma cidade onde todo dia seja dia de gincana no parque, sob um céu sobrevoado de pipas.

Onde exista pomares e eu possa não escolher a fruta mas ser escolhido por ela.

Onde meus pés descalços possam acariciar o solo e minha cabeça e os meus braços sejam apropriados para flores.

Onde todo dia seja dia de cortejo e celebração nas suas ruas sinuosas, coloridas, arejadas e generosas como tardes de setembro.

Onde exista um chafariz, um rio e uma cachoeira despencando no coração da gente.

Onde a brisa venha acariciar minhas pálpebras relutantes com seus sussurros e palavras de gratidão.

Onde uma réstia nos acorde aquecendo nosso peito, nos incitando a um ahhhh dengoso de quem nasceu mais um dia.

Onde, todas as manhãs, de todas as casas, exale um cheiro de pão fresco e o perfume de alecrim seja como um hino a nos fazer levantar depressa para vê-las.

Onde possa correr para a escola e ser saudado, na ida e na volta, por lindas donzelas que emolduram sacadas e janelas recendendo tinta fresca.

Onde nossos passeios sejam saudados por alvos lençóis e risadas, onde chistes inocentes, engraçados e carinhosos nos dêm a segurança de estarmos em casa, nossa casa.

Onde as canções sejam ouvidas no vento e a cada instante ele nos entre pelos poros afagando nossa alma.

Onde homens e mulheres celebrem juntos a chegada de cada estação enquanto as crianças brincam de imitá-los sem deixarem, jamais, de ser crianças.

Onde não existam cemitérios, hospícios, igrejas ou casas de detenção, antes uma pequena capela com uma pira sempre acesa; uma casa de repouso; e um internato onde seja possível aprender qualquer ofício.

Onde os funerais sejam festas pois é um espetáculo ver os corpos desfazerem-se em pétalas para serem carregadas pelo vento em direção aos céus.

Onde a gente cresça, viva e morra, para deixar gravado num seixo à beira da estrada que nos leva a outras cidades, tão bonitas quanto a nossa, um nome como lembrança.

Desejo uma cidade onde não haja velhos nem doentes nem mendigos pois que todos são crianças sinceras e solidárias, brincando de felicidade.

Desejo uma cidade onde os maus, os perversos, os cruéis, os mandões, simplesmente nunca foram inventados por pura desnecessidade.

Onde pais e mães não sejam pais nem mães mas irmãos mais velhos, melhores amigos.

Onde à noitinha, nos vistamos de estrelas e as contemos, as nomeemos e as povoemos , uma a uma, sem medo de que nos nasçam verrugas nas pontas do dedos, pois não alimentamos surperstições.

Onde sejamos visitados por parentes distantes apenas porque parentes distantes têm que vez por outra se visitarem para colocar a conversa em dia e apresentar os primos às primas.

Onde haja um só cinema, um só teatro, um só planetário, um só aquário, um só museu, uma só biblioteca, mas que dentro deles haja todas as cidades do mundo.

Onde se possa ir e vir pelos bosques e todos os atalhos são conhecidos porque todos eles possuem um rito de iniciação e um arauto disposto e pronto a conduzí-lo.

Onde a nossa mitologia seja a mitologia da cidade e as duas se habitem como amantes que se amam de verdade.

Desejo uma cidade onde eu possa fazer de conta que sou mágico e possua o poder de, todo dia, recriá-la pois a cidade que desejo não se fixa na paisagem a atrapalhar o trânsito das nossas meninices.




3 comentários:

  1. só estou aqui rapidamente para dizer que vc é um blogueiro nato, heim, paulo? rs

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  2. e dizer que também tenho o outro blog:
    me siga:
    http://loungecris.blogspot.com
    ok?

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  3. Amigo, vou contigo em busca de "nossa" cidade...lindo...terno e cativante!

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