sábado, 22 de março de 2025

O algoritmo

 

Máquina Imaginária, Rodrigo Goda, 2003


Quando a faísca levitou, no centro da fogueira, em torno da qual estavam reunidos os mais fortes primatas comedores de carne de búfalo, sentados para encontrar um jeito de conseguir comida no dia seguinte e ao mesmo tempo proteger a tribo dos ataques dos vizinhos comedores de carne de bisonte…

Imediatamente entraram em transe ao ouvirem a voz amarelo cintilante riscar no ar meia dúzia de sons e sinais em contraste com as estrelas distantes…

Um espanto, uma revelação, uma traquitana, uma gambiarra que bem ajudaria no enfrentamento das dificuldades diárias dos crentes no último prodígio…

Aquele que duvidou e ousou desacreditar, coitado, foi ali mesmo despedaçado e oferecido ao fogo que nutre, anima e numa apressada corrida, risca o céu noturno tal qual um véu dourado a cobrir os territórios vizinhos provavelmente para encher de porrada e depois estorricar os corpos dos inimigos… Urra!

Gargalharam e se regozijaram numa dança de coreografia improvisada enquanto ao mais crédulo de todos, um sujeitinho que tinha de músculos o tinha de mediocridade e estupidez, ocorreu galgar uma pedra que jazia a tempos ali perto e sonhar um sonho longínquo e ver o futuro construído a partir daquela centelha... 

Uma fagulha a comandar e dar sentido a essa extravagância denominada Vida onde existimos, nós, aspectos do sonho sonhado por aquele sonhador remoto, envolvidos por sedutoras miragens criadas pela geringonça que congrega todo o conhecimento do Universo apta a responder a toda e qualquer questão que se tenha a respeito da Existência, protegida por uma seleta, rica, bonita e bem vestida irmandade responsável por manter acesa a chama que arde no seu ventre de metal e luz, no fim do arco íris, paralela à via dos tijolos amarelos, até que tudo se cumpra e outra mais aperfeiçoada engenhoca seja construída e um algoritmo guie cada primata comedor de carne ao seu devido lugar sem nunca meter o bedelho onde não é chamado porque Deus disse assim e ponto final.


 

sábado, 15 de março de 2025

está na hora

 

Imagem gerada pelo ChatGPT


está na hora

da democracia romper as algemas

abrir os armários, deixar o vento levar

o pó dos coturnos que inda pisam nossa história

está na hora

de apagar do currículo das academias

as lições de medo e silêncio

de plantar nas cabeças dos quartéis

as sementes da civilidade.

está na hora

de viver para além do golpe,

do autoritarismo que assombra

das torturas que ecoam

das mortes que clamam: nunca mais!


o brasil, com sua dança,

sob a brasa do olhar dos cachorros loucos,

quer transformar pendengas em passos

soberania em abraço

dialógo em ponte

cooperação em festa mas

surja alguém

trazendo nas mãos os impasses

e ameaças nos dentes

erga-se da justiça a clava forte

a luz que corta a escuridão…

não fugiremos pois

não tememos quem cultua a morte,

o brasil conhece seu direito de existir

junto e misturado

no carnaval em que somos inventados

onde a diversidade não é máscara

para esconder desigualdades

nem sombra para ignorar conflitos.


 

sábado, 8 de março de 2025

hoje

 

O que torna as casas de hoje tão diferentes, Richard Hamilton, 1992



hoje, ah hoje…

nem bem acordo o celular dispara

a promoção do dia, o desastre

a falcatrua, a mentira

o imbróglio político, o escândalo

o joguinho que interrompi ontem…

frequência cardíaca a mil,

glicose no teto, bolsa cai…

funerária boa viagem fez uma ligação perdida, ah!

antes que’u esquente ovos pro desjejum

a ia me avisa da teleconsulta

para implorar cardio que

avalie o risco cirúrgico

de uma inevitável remoção de catarata…

em meio a tal burocracia me assalta um pensamento:

pobre burro num corre insano

através de florestas em chamas, terremotos

tartarugas engasgadas com canudinhos de plástico

tô nem aí e améns

a fugir de tigres e tubarões famintos mas

ainda vivo e a ver o burro, zurro e açoito:

no dia derradeiro finda o poema,

a não ser que alguém decida repetir

ou dar continuidade ao verso