sábado, 13 de abril de 2024

mágica

 

Magic Mountain, Albrecht Behmel, 2016



a cada notificação abro

ansioso a tela do celular será


é a mesma expectativa

ao conferir bilhete de loteria


transcendental seria informar

a hora da minha morte


e se o meu amor soubesse

a verdade dos arcanos – viria?


porém não há mágica

que supere as vendas

 

no próximo toque quiçá

quem sabe não é… agora?!


 

sábado, 6 de abril de 2024

Acordei doido para mudar o país

 

Seated beardeb man, Roger de La Fresnaye, 1910


E se votássemos em partidos e não em pessoas… E se a cada eleição tivéssemos que votar sim ou não em questões do tipo: voto em lista, cotas (educacionais, partidárias, culturais…); liberação da maconha; aborto; taxação de grandes fortunas; imposto progressivo; educação pública universal e gratuita para todos e período integral de ensino; pagamento de impostos pelas igrejas; redução de partidos; reparação histórica aos negros e povos originários; transporte público gratuito; transparência das ações governamentais; desmilitarização das polícias; controle público do judiciário; profissionalização das forças armadas; fim do serviço militar obrigatório; serviço social facultativo; internet livre para todos; parlamento unicameral com representação proporcional à votação alcançada por partido em cada estado para discutir orçamento e questões de Estado; extinção de privilégios políticos; reforma agrária; renda mínima; salário-mínimo real compatível com o custo de vida; propriedade privada…?

Mas, após uma xícara de café, irrompeu pela casa adentro, com sua voz estridente, a minha manjada e rotineira sanidade a me avisar que estou atrasado, que a geladeira não se enche sozinha e do mesmo jeito que não existe almoço grátis, dinheiro não brota em árvore…

Num redemoinho de emoções, saio ao encontro do trânsito caótico cotidiano e, a oscilar entre a raiva e a melancolia, aguardo que um milagre venha me salvar do mundo e de mim mesmo.

Nenhum coach apareceu em meu socorro, o universo mais uma vez não conspirou a meu favor, não descobri o segredo de coisa nenhuma, já atentei contra minha vida umas trocentas vezes e eis que chego ao trabalho disposto a pedir demissão e dar um tapa na cara no chefe…

Mais um dia daqueles… arre! Passo o tempo sonhando em ganhar na loteria e me mandar para uma ilha deserta. Mas o lar me espera e após um miojo babado, bate aquele soninho, e sem alternativa, me lanço aos braços da minha doideira e durmo que nem um anjo… louco.


 

sábado, 30 de março de 2024

A carroça dos bonecos que viraram gente

 

Museu do Mamulengo em Glória do Goitá, Pernambuco


O empeleteiro chega e finca a placa “Mais uma obra Prakem” e dá ordens ao seu pessoal: - Arranquem aquela árvore... furem um poço aqui... vamos lá, precisamos tirar todo o sal antes desse lugar.

Zé massunin se aproxima e não gosta nadinha do que vê: - Opa, pera aí, que sucesso é esse? Assim num vai dá pra gente morar e muito menos viver por aqui…

O empeleteiro, do alto da sua arrogância, estala: - Se avexe, cabra… tô cumprindo ordem… é o progresso chegando neste fim de mundo… você devia botar as mãos pro céu… fique quieto que no fim vai sobrar um troco pra tu

O Zé, ofendido, retruca: - E eu lá homem de viver de migalha, sujeito. Direito é o que não me falta…

O empeleteiro, parte pra cima do zé: - Fale manso comigo, seu zé ninguém…

O Zé, destemido, enfrenta: - Senão o que… vai me expulsar daqui, vai me matar é?

O empeleteiro incha o peito: - Se ficar cheio de pantim te dou uma sova e mijo por riba.

O não se faz de rogado e manda a real: - Oxente, que ainda num nasceu vivente pra me fazer uma astúcia dessa… Só vai dar ruim pra tu, porque não tô sozinho… (Chama) Zé Preto, Chico Caboclo, Quinzinha da Mata, Tonica do Cipó… se acheguem que tem um metido a arroxado acabando com o nosso canto

O povo se junta e cerca o empeleteiro – Eita que é cum nós mesmo… Quem é o doido?

O empeleteiro se borra todo e fala pra si mesmo: - Vixe, meu santo padim, que a coisa fedeu… melhor apelar para a dona justa…

O povo enxota o empeleteiro rua afora: - Sai fora, capeta.

O empeleteiro corre desembestado mas ainda arrota ameaças: - Vocês vão ver só, vou levar o caso ao juiz, vou tomar conta de tudo e vocês terão que sair daqui, sem nada com uma mão na frente e outra atrás…

O povo segue na carreira sacudindo na cabeça do empeleteiro tudo que conseguem encontrar pelo caminho: Arreda, se manda, vá pros quintos dos infernos, mas antes pague pelo que foi destruído e nós queremos o preço justo em dinheiro vivo seu menino…?